A
dimensão emocional do pós-parto- Releituras sobre mim
Muito se diz a respeito
da gestação, encontramos cursos de gestantes em diversas clínicas e hospitais
espalhados pela cidade. No entanto, somente alguns momentos dentro do curso são
dedicados ao pós-parto. Fala-se sobre o recém-nascido e os primeiros cuidados,
no entanto raramente é abordado o aspecto psicológico do pós-parto. A dimensão
emocional. A necessidade de amparo que a recém-mãe demanda. Não só fisicamente,
com a nova rotina, a falta de sono, mas também o amparo com suas angústias,
incertezas, medos e ansiedades.
O momento do puerpério
pode ser uma grande oportunidade para esta mulher mergulhar dentro de si e dar
um salto quântico de consciência. Crescer enquanto mulher, se encararmos este
momento como um poderoso rito de passagem. Uma chance sem precedente, de
crescimento. O parto é em si um momento intenso e forte, capaz de mexer com
forças internas até então latentes. Faz vir à tona medos e ao mesmo tempo
coragem. Um evento que coloca a prova
toda a vontade, capacidade de se entregar ao momento e a maternidade com a
essência renascida numa nova condição especial que surge para ficar.
Trato aqui brevemente
desta dimensão emocional no período do puerpério.
Expectativas
X Realidade
Passar pela experiência
de tornar-se mãe traz para a realidade aquilo que era somente imaginário e
muitas vezes ilusório. Confrontamos decepções por termos criados falsas
expectativas. São imagens que nos são bombardeadas pela mídia e sociedade,
aquilo que também passamos a vida fantasiando a respeito das maravilhas de se
ter um bebê no colo!
Quando vi pela primeira
vez o teste de gravidez positivo, a primeira imagem que me veio à mente foi a
de um “bebê Johnson”, todo gordinho, de uma família unida e feliz em volta da
mesa, tomando um café da manha gostoso e todos com cara de descansados e
felizes, filhos materializando aquilo que
um dia sonhamos como ”a família feliz”.
Passamos a gravidez num
estado romântico, olhando roupinhas e bichinhos de pelúcia, pensamos naquele
bebe feliz, brincando com seus brinquedinhos. Todos os seres do mundo falam
parabéns como se fosse algo impagavelmente realizador, um sucesso alcançado. No
entanto, creio que é necessário desfantasiar um pouco este cenário, a gravidez
já não é somente aquela barriga bonita do book. Tem enjoo, tem desconforto
intestinal, tem aversão a cheiros, tem redução de libido, tem choradeiras
descabidas e cabidas, tem inchaço e peso. Durante o parto, as dores às vezes não
são tão suportáveis, o parto pode não acontecer, o doutor comenta algo que não
deveria. Os procedimentos são discutíveis e quem sabe invasivos. O parto nunca
é exatamente como no plano. E o pós-parto pode se tornar um buraco, que nunca
ninguém avisou que existia. Como ir ao banheiro fazer número dois com o períneo
cheio de pontos? Como lidar com cicatriz dolorida no abdome e exatamente ao
mesmo tempo trocar fraldas de mecônio noite adentro? Por que o bebê pede colo dia
e noite? Por que meu bico rachou? Como lidar com sentimentos conflituosos e
contraditórios entre a realização do sonho da maternidade e a melancolia da
fase da adaptação?
Escutamos diversos
conselhos, mas não é possível entender de fato do que se tratam, até passarmos
pela vivência. Eu acreditava em: vou parir, virar mãe e pronto. A vida segue.
Mas entre o parir e a
vida seguir, existe um longo caminho!
Transformações
com “T” maiúsculo
Comigo foi mais ou
menos assim, todo o mundo me falava a respeito das transformações que a
maternidade traria. Eu me julgava preparada para mudar, preparada para
transformar. Talvez fosse presunção
demais. Eu me sentia preparada para encarar
uma nova fase da vida, um novo projeto. Meu perfil nunca foi de ter medo de
encarar as novidades. Mal sabia eu que não seria uma simples mudança. Algo bem
mais forte e ao mesmo tempo sutil. Algo intenso, que trouxe a tona distintas sensações. Dias em que não vim ao mundo a passeio. Sim,
existem mulheres que conseguem terceirizar e delegar a ponto de viver um pós-parto
a passeio. Este texto não diz respeito a todos os tipos de maternagens. No
entanto para outras recém-mães, como foi para mim, me vendo pela primeira vez
com uma cria nos braços, um ser que depende única e exclusivamente de moi, do meu corpo, peito, leite e calor.
Bate o sentido da responsabilidade total, mas bate muito mais, bate toda uma
vida, lembranças, bagagens, às vezes traumas, sentidos existenciais!
Creio que eu não estava
preparada para toda esta avalanche de sensações distintas. Não estava preparada
para ser de fato uma outra pessoa. Com outros conceitos, outras metas, outros
valores, outras prioridades. Desapegar-me momentaneamente de mim mesma. Ser tão
humilde e deixar- me guiar por outra pessoa, que não eu mesma: uma pessoinha
bem pequena (só em tamanho físico!). Embarcar de corpo e alma neste trem sem saber
ao certo onde irá parar.
Pode soar como exagero,
mas este é o ponto de vista de quem mergulhou nos sentidos, nas sensações e
sentimentos. Para mim, repito, tornar- me mãe, foi e continua sendo algo
intenso.
Algo que me lembro de
ter ocorrido foi que, tive a sensação no meu primeiro pós-parto de que fui
traída, ninguém tinha falado “a real”. Pensei sinceramente que se as pessoas
falassem, poderiam colocar em risco a espécie humana. Mulheres não iriam querer
nunca ter seus filhos! Eu sentia mesmo que parto era difícil, mas o pós, ah, o
pós era muito pior!
Até que veio minha
segunda filha, meu segundo pós-parto e tudo foi bem diferente. Com desafios e
transformações, sim. Mas de outra maneira, mais leve e assistida, eu diria.
Alterações
hormonais e a avalanche de emoções
Estudos e pesquisas
recentes estão aprofundando no tema da depressão pós-parto e baby blues (estado
de melancolia que acontece com cerca de 80% das mulheres), acredita-se que no
quarto ou quinto dia depois do parto, há uma brusca queda hormonal (estrogênio
e progesterona), esta oscilação leva a alguns sintomas como choro fácil, oscilações de humor, irritabilidade e
comportamento hostil para com familiares e acompanhantes, preocupação excessiva
com o bebê ou ainda vontade de deixá-lo de negligenciá-lo.
Muitas
mulheres passam por este estado de melancolia, sem nem saber que isso é natural
e acontece devido ao próprio funcionamento do corpo. Se os sintomas continuarem ao longo das
próximas semanas, aconselha-se buscar uma ajuda mais especializada, pois pode
se tornar uma depressão pós-parto.
Algo
essencial é que, a própria mulher, familiares e companheiro, não achem que
estes sentimentos não passam de frescura. Pois juntamente com estas variações
hormonais vem a avalanche de emoções. Importante que a mulher tenha a quem se
expressar. Tenha boca para falar e ouvidos que a escutem com amor.
O trabalho de terapia
pode ser uma alternativa. Grupos de apoio presencial ou redes virtuais também
tem grande poder de auxilio.
Pós-parto é um momento de sacudir a vida.
Levantar a poeira, muitos conteúdos vêm à superfície. E aos poucos podemos
colocar as coisas em seu lugar. Eu confesso que estou tentando até hoje!
Faz parte:
- Processar o parto,
como foi, as expectativas e frustrações. O que sentiram mãe e pai.
- Mudança dos olhares
em cima das relações: mãe- bebê, mãe- pai do filho, mulher-marido, mulher-ela
mesma.
- Mudanças no corpo e
na imagem
- Auto-cobrança com os
cuidados com o bebê, busca por ser uma boa mãe.
- Novos parâmetros para
vida conjugal e sexualidade
- Grandes alterações na
vida social, amizades, hobbies, prazeres, carreira, tempo para si.
- Administração da
educação e estilo de maternagem, conciliando com “dicas não solicitadas” alheias,
principalmente da família de origem e da família do pai do bebê.
Sacudindo poeiras
existenciais, renascemos enfim, mulheres mais fortes e conscientes.
Somente o tornar-se mãe
nos prepara diariamente para isto. Não é um curso onde se aprende e ponto. É
abraçar e aceitar aprender todos os dias seguintes ao nascimento.
O que posso concluir
sobre a temática, é que sou uma mulher totalmente diferente depois do nascimento
das minhas filhas. O processo de autoconhecimento, embora tenha se iniciado
quando era adolescente, se intensificou triplamente com a maternidade! Feliz fui
por encontrar espaços para conseguir digerir e aproveitar este fluxo maravilhoso
que me foi proporcionado com a chegada das filhas!
Amenizando
impactos
Como experiência, digo
que o amparo emocional no período puerperal é fundamental. Ser amparada e
acolhida, e não pensar e auto exigir que se dê conta de tudo isso e mais um
pouco. Sabemos no fundo que podemos dar conta, e damos, se assim for
necessário, mas podemos também pedir ajuda. A mulher precisa sim, sem pensarmos
que é frescura ou capricho, de muito amor, carinho, atenção, nutrição. Nutrição
em todos os aspectos. Nutrição de calor, de conversas, de ouvidos, de alimentos
ricos em ferro e vitaminas, de vitamina D através da luz solar. Ter um tempo
para si. Um tempo para caminhar só ao sol. Um tempo para sentir prazer. Um
tempo para ter uma conversa adulta. E tempo para dormir. Descansar.
Grupos de apoio podem
servir de alento, além de úteis para a troca, onde tudo é novo para a nova mãe.
Desde um bebê que passa seis dias sem fazer cocô até como colocá-lo amarrado
num wrap nas costas e passear feliz pela pracinha!
E o principal, saber
que sentir toda essa avalanche emocional é perfeitamente natural, do ser
feminino em transformação. Da nova mãe que deixa de ser filha e se transforma
em mãe.
Saindo
do Trágico
Para não ficar somente
em cima do trágico do evento, digo que este caminho não precisa ser de pedras,
caminho esse que pode ser bem prazeroso de fato. Tratemos primeiro de diminuir
as expectativas, o bebe pode não ser daqueles calminhos que dormem a noite
toda, e mesmo assim, tudo bem, afinal ele não vai ficar assim para sempre. Isso
é garantido. A amamentação pode não ser
tão flúida como esperamos. Pode ter ingurgitamento, inflamação, fissura, porém, vamos
combinar que tudo bem, tudo isso pode acontecer e “sobreviverei”, afinal
existem grupos de apoio e bancos de leite.
Ao diminuir as
expectativas e lidar com a realidade crua, tudo fica mais leve, a mãe perfeita
não existe, tampouco o filho ideal, muito menos o parceiro 100 %. Assim não nos
fechamos em uma realidade ideal imaginada. E sim uma realidade em que temos que
improvisar a todo instante e aceitá-la, aceitá-la despida, assim como se
apresenta a nós sem máscaras e sem disfarces. Assim a maternagem flui e fica
mais leve. E o prazer vem. Então experienciamos todas aquelas cenas inusitadamente
maravilhosas, aquelas de propaganda de margarina que falei há pouco, o sorriso
daquele bebê sem sombra de dúvidas é a coisa mais linda de todo o mundo. É uma
alegria e satisfação interna tão imensa, a satisfação da vida, que não se
iguala a nada antes da maternidade. É diferente, tem gosto especial, tem gosto
de “fui eu que fiz” e a cada passo, palavra e conquista, a sensação de
plenitude é tão enorme, que não cabe em si, simplesmente extrapola. Extrapola
toda e qualquer noite mal dormida, extrapola todas as noites mal dormidas e neste
exato momento penso: é isso o que vim fazer nesta existência!
Fabiana Higa, é mãe da
Luana e Nina, doula, educadora perinatal e musicista. Idealizadora do Espaço
Bem Gestar, de apoio a Humanização do Nascimento e Maternidade Consciente.
Blog:
bem-gestar.blogspot.com
Que lindo texto Fabi! Muito mais bonito que as Dorianas da vida!
ResponderExcluirBeijo!
estou grávida e fiquei muito feliz de ler suas reflexões. gratidão!
ResponderExcluirestou grávida e foi muito bom ler suas reflexões. gratidão!
ResponderExcluirestou grávida e fiquei muito feliz de ler suas reflexões. gratidão!
ResponderExcluirSimplesmente amei. Pari faz 39 dias e já passei por muitas fases que descreveu. Não é fácil, mas vale muito a pena.
ResponderExcluir