segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Texto sobre Cesárea


Cláudia Rodrigues é jornalista, terapeuta, mãe. Uma mulher ímpar, com sensibilidade na alma para nos falar a respeito de gravidez, parto, amamentação, simbioses, educação, filhos, familias e feminismos; tudo isso, de uma maneira consciente, humana e ativa.

Postarei alguns textos dela e também colocarei um link para seu blog:
buenaleche-buenaleche.blogspot.com



As mulheres têm direito a pedir cesariana?

Cláudia Rodrigues
Embora a mídia convencional não entre nessa questão, até porque no Brasil é um costume fazer acordos com médicos para eleger uma data de nascimento; nas redes de relacionamento é um assunto quente, que envolve argumentos contundentes. De um lado estão as jovens militantes pela humanização do parto e do nascimento, de outro uma geração que acompanhou de perto os movimentos feministas e o direito da mulher de ser dona do próprio corpo. No meio uma massa de mulheres que segue a tendência cultural dos últimos anos: entregar a responsabilidade sobre o nascimento dos filhos aos médicos, linhas de montagens hospitalares e interesses do mercado.
O nó entre os argumentos acaba esbarrando na questão da legalização do aborto, um dos direitos conquistados pelas feministas em muitos países desde a década de 1960. Elas acusam as jovens militantes atuais de estarem dando ré em direitos que sequer ainda foram conquistados no Brasil. Usam como fio condutor o papel machista da diferenciação entre gêneros pela medicina, que é fato histórico, abominando os argumentos recentes de uma aceitação, sobre novas premissas, da diferenciação entre os corpos masculinos e femininos como fundamental para rever perdas também históricas.
O movimento pelo direito de parir, amamentar e ter mais qualidade e tempo para cuidar dos filhos, está balizado na retomada de um corpo feminino que foi violado pelos excessos tecnicistas e pelo mesmo machismo, que se um dia condenou as mulheres à falta de direitos iguais, hoje impossibilita ou dificulta a vivência plena da maternidade como algo prazeroso ligado diretamente à saúde do corpo feminino, diferente do masculino e com necessidades outras.
O que essas novas militantes feministas debatem em grupos de apoio e ONGs é o direito de escolha a partir do conhecimento sobre o tema da maternidade, afinal durante as décadas de 1970, 1980 e 1990, as questões sobre maternidade foram consideradas menores, desimportantes no contexto do mercado de trabalho. Elas acreditam que as escolhas, tanto pela maternidade consciente baseada em evidências, quanto pela não-maternidade consciente, o direito da mulher de não querer ter filhos, migrariam para outro paradigma, inclusive mais auto-sustentável, a partir de conhecimento científico. Mais do que isso, elas buscam autoconhecimento, a redescoberta do corpo feminino como plenamente capaz de dar conta de suas funções biológicas, derrotando a construção de um corpo frágil, incapaz e encontrando uma liberdade mental pela não-necessidade da maternidade como fonte de felicidade moral para todas as mulheres.
Curiosamente, nos países em que a legalização do aborto é um fato consolidado, a cesariana a pedido da mulher, sem indicação clínica absoluta, não é uma realidade, já que a cesariana é considerada uma cirurgia de emergência para casos muito específicos que ocorrem em no máximo 15% de gestantes, segundo a Organização Mundial de Saúde.
No Brasil, país que vem desde a década de 1970 alternado com o Chile as posições de campeão e vice-campeão em altos índices de cesariana, a batalha atual das militantes pela humanização do parto e do nascimento e a discussão entre as duas correntes feministas choca-se com a postura médica brasileira tradicional e a desinformação das que seguem a conduta vigente sem qualquer questionamento sobre as interferências médicas desnecessárias, mesmo quando desejam o parto.
Enquanto na Europa as mulheres que pedem cesariana sem indicação clínica são esclarecidas pela assistência sobre os benefícios do parto natural, tanto para a mãe quanto para o bebê e eventualmente são encaminhadas para tratamento psicoterápico a fim de resolverem seus temores em relação ao parto, no Brasil o pedido costuma ser recebido com naturalidade pelos médicos. Ainda pesa sobre as brasileiras a apologia à cesariana, promovida pela assistência médica brasileira, extremamente centrada no serviço de médicos obstetras. A figura da parteira e da enfermeira obstetra, assim como o ofício de doulas, está dando os primeiros passos no Brasil e tem enfrentado o corporativismo médico. Em maio último o único curso de formação de parteiras do país, oferecido pela USP, esteve para ser fechado. Foi a militância em prol do parto ativo que conseguiu reverter o quadro.
A formação de mais cursos de obstetrícia ou de um apoio maior ao parto fisiológico assistido por enfermeiras-obstetras, respeitando o ritual familiar, seja em domicílio, casa de parto ou maternidades, é apontada como uma saída digna pelas mulheres que estão aí para resgatar não um passado machista, dominado pelo mercado, mas uma sabedoria ancestral que foi perdida pelas invasões culturais e tecnocráticas. Naturalmente que o resgate de uma sabedoria ancestral, hoje vem com agregações modernas, com muito mais segurança e com uma preocupação muito focada no bem-estar da mãe e do bebê.
A cesariana apresenta maiores riscos a cada gestação para a mulher, assim que uma mulher que tiver tido uma primeira cesariana, estará correndo menos riscos se no segundo filho tentar o parto natural não medicalizado.
Quando eletiva, marcada antes de qualquer sinal iminente de parto, ela está associada a riscos de nascimentos prematuros e problemas cardiorrespiratórios nos bebês.
Diante das evidências de que a cesariana eletiva acarreta problemas para o bebê que a mulher escolheu ter, fica difícil digerir o argumento de que escolher uma cesariana eletiva, potencialmente um parto prematuro com todas as suas eventuais implicações, seria um direito sobre o próprio corpo. Naturalmente não dá para comparar o direito de escolher não engravidar, de não gestar e não ter filhos com o direito de submeter o filho que se escolheu ter a um começo tão duvidoso para sua saúde.
O feminismo sempre foi um movimento de pensadoras, é por isso que se pode afirmar com veemência que a militância pela humanização do parto e do nascimento é um movimento feminista que chega fazendo releituras do próprio feminismo.
Cláudia Rodrigues é jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008 (Centauro Editora). Blog: http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com

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